Não o via há tempos. É o pecado nosso de todos os dias. Deixar de ver o próximo (próximo?).
Trata-se de um mal da sociedade atual. Cada qual pensando exclusiva e obcecadamente na sua própria história. Impulsionado por um sentimento obrigatório que é impossível fazer-nos feliz, o de ter que vencer, acertar, ser melhor, ou seja, “ser feliz” a qualquer custo.
Sem que percebamos, vamos nos afundando num terreno de frustração, indisposição, medo, tristeza e pronto: está criado o cenário que nos tira a luz sobre a vida. Heraldo veio ao mundo com essa luz. Radiava-a externamente. Em algum momento, ou em vários, de sua vida, foi deixando que a escuridão fosse tomando conta.
Num mundo com este, é mais fácil apagá-la do que acendê-la. Porque você não encontra pessoas com “orgulho” dizendo que são fracas, que tem medo disso, que temem aquilo, que fracassaram num ponto, que tem limitações. Não encontra pessoas que dizem abertamente: “Eu estou triste”. Porque, em nossa sociedade, parece um crime admitir tudo isso.
Embora todo mundo passe ou esteja assim. Ninguém, ou quase ninguém, vai para o Instagram para dizer com sinceridade “cara, tô mal!”. Se faz, é porque não está tão mal, fazendo apenas um charminho.
Ninguém consegue encher o peito e dizer com orgulho que está com problemas financeiros, que não pode comprar isso, ou bancar aquilo. É feio. É pouco estratégico. É social e profissionalmente errado. Ninguém diz que ficou numa posição ruim num concurso público, que é rejeitado nas relações, ou tem tal defeito físico. Ninguém diz que tem sofrível desempenho sexual. Que é abandonado pelos filhos. Que não tem amigos. Não diz porque o “correto” neste mundo é dizer completamente o contrário. É perseguir e conquistar o oposto disso. Ok, nenhum problema. Mas e quando não dá certo? Sequer o tédio é aceito em nossa sociedade. Absurdo. Somos impelidos a competir, ganhar, ser melhor, dizer que está bem. Obrigado a dizer que está bem é a maior violência que cometemos contra nós mesmo.
Perdi o amigo Heraldo sem tê-lo visto triste. Sem saber sequer que ele estava mal. A última lembrança que guardo dele é do Heraldo que viveria para sempre com sorriso de dentes bonitos, gestos europeus, a me fazer referência sobre minhas características hispânicas e indígenas.
Mas hoje não sei se o que vi era o Heraldo feliz de verdade ou o Heraldo se esforçando para parecer feliz.
Esse é o problema. Achamos que todo mundo está bem. Porque elas demonstram estar. Não quebramos o mito da felicidade eterna. Somos preconceituosos com a tristeza. Como se ela fosse uma lepra. Empurramos um óculos escuros no rosto (de preferência, daqueles caros e suntuosos) e tocamos a vida, a mostrar que “estamos bem”.
Desculpa, Heraldo, eu estava aqui. Mas não fui capaz de ver além dos óculos escuros. E não fiz nada para impedir que você subisse ao décimo sexto andar. Estava, como todos nós, muito ocupado em subir os meus próprios andares.