É comum imaginar que a atividade de um julgador é algo fácil e glamouroso. Que, estando na condição de autoridade, se está sempre na posição confortável de decidir e pronto. Mas nem sempre é assim. Alguns casos, ou muitos deles, exigem muito mais do que a frieza da lei ou do Direito.
É quando se está diante de uma decisão complexa sobre um tema delicado, em que se percebe que os dois caminhos a serem seguidos tem alguma razão de ser, embora seja impossível ficar no caminho do meio, visto a imperiosidade da obrigação de decidir.
Como na ação impetrada por uma gestante que recorreu à Justiça solicitando autorização para interromper sua gravidez. O motivo? O feto em seu ventre foi diagnóstico com Síndrome de Edwards, que, “de acordo com o laudo médico, trata-se de uma síndrome genética seguramente incompatível com a vida extrauterina, a exemplo da anencefalia, que é a ausência da calota craniana e do tecido cerebral, e pela qual em 80% dos casos há óbito fetal intrauterino – óbito do produto conceptual durante a gestação – e os 20% restante após o parto, sendo a maioria imediatamente após”.
Um diagnóstico muito forte para qualquer mãe que carrega um futuro filho no ventre ouvir.
A gestante perdeu na primeira instância e recorreu à segunda instância para refazer a decisão. O caso chegou à apreciação da Câmara Criminal. E o que se viu foi uma maioria que, mesmo reconhecendo a delicadeza da situação da mãe, e sua honestidade em procurar a Justiça para fazer um aborto que, na prática, é feito com frequência na clandestinidade, apontou para a defesa da vida e negou o recurso, sugerindo o nascimento da criança portadora da doença.
Imagino o quanto deve ter sido difícil para cada um dos desembargadores decidirem sobre o tema.
Pela atitude da mãe, de procurar a Justiça para fazer algo dentro da lei, também poderia se vislumbrar a mistura de sentimentos.
Os julgadores, no entanto, optaram pelo caminho da vida. Uma via cuja a delimitação do fim definitivo não está mãos dos homens.
Diz-se muito que o magistrado pensa que é Deus no exercício de sua função. Neste caso, o aforisma foi inválido. Os desembargadores optaram por deixar que o próprio Deus dê, na hora que entender, o seu veredicto final.
ABAIXO, VEJA COMO VOTOU CADA UM DOS DESEMBARGADORES, INCLUINDO O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE ACORDO COM MATERIAL JORNALÍSTICO ENVIADO PELA ASSESSORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA:
Voto- O relator da Tutela de Urgência disse que seu entendimento não tem nenhuma ligação de oficializar a morte. “É um caso com previsão legal, com base no artigo 128, §1º. Sou contra a qualquer tipo de aborto, exceto nos casos do aberto terapêutico. Sou sempre a favor da vida e me atenho a um laudo médico. Ao procurar tutela da Justiça, essa senhora demonstra ser muito honesta, já que 90% dos abortos são praticados de forma clandestina”, comentou o juiz Tércio Chaves de Moura.
O autor do pedido de vista argumentou, em seu voto, que o prognóstico para os bebês que nascem com a Síndrome de Edwards é ruim, já que a sobrevida para a maioria dos pacientes é de dois e três meses para os meninos e 10 meses para as meninas, raramente ultrapassando o segundo ano de vida. Conforme o desembargador Arnóbio Alves Teodósio, a sobrevida em longo prazo, em alguns casos, é superior a segunda década de vida e bem documentado, mesmo na ausência de mosaicismo, especialmente em estudos não populacionais. “Em síntese, não há nos autos elementos suficientes para embasar a pretensão inicial, muito menos não há, na legislação brasileira, qualquer comando legal autorizando o magistrado investir-se de poderes para mandar interromper a gravidez nos moldes requeridos”, comentou.
Por sua vez, o revisor da Tutela de Urgência, desembargador João Benedito da Silva, disse que verificou os estudos científicos a respeito dessa questão do risco da gestante em razão do feto portar essa má-formação e não encontrou. “Encontrei o contrário, vários estudos no sentido de que o Trissomia do Cromossomo 18 não aumenta o risco materno. É claro que deve haver estudos no sentido de que aumenta, como o médico certamente se louvou em algum desses estudos e disse que havia um aumento do risco de vida da mulher além do comum, por conta dessa formação. Entre a vida e a morte, estou votando pela vida”, destacou, ao reformular o seu voto e acompanhar o autor do pedido de vista.
Já o presidente da Câmara Criminal, desembargador Ricardo Vital, informou que existe uma argumentação nos autos, de que o feto seria um parto assemelhado à anencefalia. “Não é em absoluto. A anencefalia está textualizada, no âmbito médico científico, como a má-formação do cérebro, que ocorre normalmente entre o 16º e o 26º dia de gestação, caracterizada pela ausência total do encéfalo na caixa craniana, o que quer dizer que há um corpo sem vida pensante. Aqui, não estamos diante deste contexto”, acrescentou.
MP – O procurador Francisco Sagres, destacou que uma discussão tão importante como esta, não pode a Câmara Criminal se colocar a favor da morte. “Sei da dificuldade de uma família ter uma criança com problemas desse norte. Mas, é uma vida que nós, seres humanos, não temos poder para dizer quem tem que morrer ou tem que viver”, avaliou
Dessa decisão cabe recurso.