Lula deveria aprender com os erros de Bolsonaro e aposentar o improviso. Especialmente ao tratar com os “extremamente sensíveis” do mercado financeiro, visto que o próprio Lula reconhece o quão melindrosos são. Já que compreende isso, portanto, precisa ajustar-se com a mesma desenvoltura que tem apresentado junto à política e às instituições.
É preciso dourar a pílula sim, medir palavras, e diante das ações que deseja tomar, buscar compreender o lado de cada parte do todo. Coisa que Bolsonaro não fez e, por isso, chegou ao final do seu primeiro mandato tendo brigado com meio mundo de gente. À exceção, recentemente, do mercado. Ora, se o mercado dava sinais de maior tranqüilidade com Bolsonaro reeleito, é preciso Lula entender que precisará (re) conquistar dos importantes da Avenida Paulista aos invisíveis de Nova Iorque.
Não precisa assustar, aliás, mas do que a sua própria vitória nas eleições. Ao contrário, precisa passar mel na espada. Se o objetivo é fazer passar a PEC da Transição a fim de garantir, ao menos, os R$ 600 de manutenção do Auxílio Brasil, é preciso fazer isso procurando garantir o mínimo de segurança na questão fiscal, apontar benefícios (para o mercado) e até flertar com medidas que possam compatibilizar as duas coisas, a responsabilidade fiscal e a necessidade de combater as necessidades básicas de milhões de brasileiros.
Porque, no final das contas, as duas responsabilidades não devem brigar entre si. Elas até se complementam. O mercado sabe que um governo que investe bem e faz circular com responsabilidade o dinheiro movimenta a economia. E o governo sabe que se a questão fiscal desacreditar o país levando-o ao abandono dos investidores não haverá recurso para bancar programas, obras e ações.
Não da, portanto, para fazer discurso de campanha sem medir conseqüências. Agora, é hora de equalizar o som do megafone. Até porque, como dissemos, esta é uma discussão que tem dois lados sim. É impossível que alguém possa estar totalmente certo defendendo cegamente só um dos dois lados. Quem disser de boca aberta: “É para quebrar teto com tudo e liberar geral o Auxílio” é irresponsável e está errado. E quem disser: “Não pode, não deve, é preciso cortar a verba social para esse povo, o mercado em primeiro lugar!”, idem.
É absurdo, inclusive, ver como a discussão sobre transferência de renda no Brasil se inverte de acordo com quem a propõe. Quando o PT dominava com o Bolsa Família, e Bolsonaro nem existia, liberais atacavam o formado do PT governar. Quando Bolsonaro turbinou o Bolsa Família, transformando-o em Auxílio Brasil, foi a vez dos petistas baterem no que chamavam de medidas eleitoreiras de Bolsonaro. A bola mudou de novo de time. E os discursos se invertem. A propósito, a ingenuidade levaria a crer que parlamentares bolsonaristas votarão todos com Lula pela manutenção do Auxílio Brasil nos R$ 600, já que assim fizeram este ano. E, por outro lado, a ingenuidade leva crer que alguns deputados petistas, como o paraibano Frei Anastácio, vão votar contra a PEC da Transição, visto que ficaram contra Bolsonaro. Risos.
Incongruências à parte, buscar um equilíbrio, recheado de ações e discursos conciliadores, é o mínimo que se espera do presidente eleito. Não se trata de competir e brigar com o espelho. Esse modo já se mostrou questionável.