Todos nós sabemos que é impossível agradar a todo mundo. Mas é possível desagradar a todos. Basta ficar no meio. E foi o que presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez ao se posicionar sobre a Lei do Abuso de Autoridade.
É certo que ele emagreceu a proposta. Mas não a matou de inanição por completo, como queriam os homens e mulheres da lei. Para eles, ficaram ainda algumas gorduras a obstruir a atividade policial e judiciária. Ou seja, apesar de admitirem alguns avanços, só prometeram gratidão integral se o veto fosse total.
Do lado de lá, no Congresso, a regra é a mesma. Alegria generalizada somente em torno de uma sanção integral da Lei. Bolsonaro até parece ter apresentando sinais instintivos de aprova-la na íntegra, mas o ministro Sérgio Moro e outros interlocutores ligados à área jurídica trataram logo de conter tais impulsos. O resultado é o mesmo.
Parlamentares aplaudiram a preservação de alguns itens, mas não ficaram satisfeitos com a supressão de outros. O que gera expectativa sobre o posicionamento do Congresso quando da avalição dos vetos.
Mas que “Frankstein” foi esse que o presidente criou ao vetar integralmente 14 artigos e ainda outros cinco parcialmente? Um que deixou de ser tão assustador, mas que ainda mete lá seus medos. Por exemplo, Bolsonaro vetou integralmente o artigo que permitia a particulares, e não exclusivamente o Ministério Público, oferecer denúncia à Justiça pelos crimes de abuso de autoridade. Isso diminui a força do monstro. Ele derrubou ainda a punição para juízes que decretar ou manter prisões fora das conformidades legais.
Matou o artigo 30, talvez um dos mais vagos de toda a lei, pois proibia investigações “sem justa causa” ou contra quem é sabidamente inocente. Ora, como se sabe se alguém é sabidamente inocente antes de apuração? O abuso, quando há, é por constatações e exposições antecipadas ou uso de meios ilícitos, e não por apurações anteriores.
Neste sentido, Bolsonaro vetou também um artigo que, este sim, tinha o objetivo de conter excessos. Trata-se do artigo 38, que proibia o responsável pela investigação de apontar o investigado é culpado antes de serem concluídas as investigações e formalizada a acusação. Inclusive de usar a imprensa e as redes sociais para fortalecer a narrativa da acusação. Isso foi vetado integralmente. Golaço para os homens da lei.
E, por fim, derrubou a restrição para o uso de algemas. Mas nada de comemorar vitória como alemão no dia do 7 a 1.
O presidente Bolsonaro preservou o restante da Lei oriunda do Congresso. E manteve, especialmente, alguns artigos que impedem as categorias contrárias ao projeto a soltar o grito de “campeão” preso na garganta.
Para o procurador geral de Justiça da Paraíba, Francisco Seráphico, dois deles, em especial. O 27 e o 31. O primeiro impõe detenção de seis meses a dois anos, e multa, para quem “requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”.
O outro, igualmente mantido, pune quem “estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado”. Segundo o procurador, eles amarram o exercício investigatório do Ministério Público, não levando em conta as especificidades dos casos. “Nos preocupa muito estes dois artigos”, resumiu.
Para a diretora da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Carolina Patriota, não dá para classificar como vitória completa das entidades. “Estamos fazendo a contabilidade. Demandará uma atuação bem mais cautelosa, mas dá para administrar, a depender da derrubada dos vetos”, disse à coluna. Será exatamente lá que o caminho do meio escolhido por Bolsonaro passará pelo teste.
Por ora, em se tratando de Polícia Federal e Ministério Público, Bolsonaro só conseguiu unanimidade mesmo com as indicações feitas por imposição, para superintendência da PF no Rio de Janeiro e para o cargo de Procurador Geral da República. Unanimidade negativa, obviamente.