O fanático é pior do que o objeto do fanatismo. Porque o objeto do fanatismo é fanático por si mesmo. Direciona toda sua energia para o seu próprio bem. O fanático não. É apenas uma sombra atrás da imagem do objeto endeusado.
Não vive para si ou por si. Mas para satisfazer o narcisismo do outro. E, por ele, faz as mais medonhas coisas. O fanático, portanto, está na última escala da cadeia da existência. É, espiritualmente, menor.
O homem que resolveu num domingo, estando com a família, parar o carro na frente de uma festa e matar um ser humano somente porque este não endeusa o mesmo objeto de fanatismo é um triste protótipo deste pequeno ser.
Perceba que sua ação odiosa não foi motivada em favor de sua própria história. Não se justificaria nem que fosse. Mas, pior, não foi. A festa não estava incomodando o sono do seu bebê. Carros não estavam estacionados na frente de sua garagem. Ele não foi atrás de seus direitos. Ele simplesmente não conseguiu suportar que não amem quem ele ama. E isso é um absurdo. É vil. É criminoso.
E, na menor das hipóteses, é completamente anti democrático. Porque, numa democracia, você derruba quem não é seu mito no voto. Vai para urna e destila toda sua “raiva”. E pronto. Ninguém morre. Ao final, restam apenas perdedores e vencedores. Não mortos e feridos.
O que se faz nas redes sociais é roteiro de filme de massacre. Não há debate sobre fatos, ideias, argumentos. É carnificina.
E não me venha dizer que os líderes não estimulam o ódio. Entre facadas e tiros, estimulam sim. Basta ver como o presidente Jair Bolsonaro reagiu a este episódio. Atacou a esquerda atribuindo-a a pecha de criminosos responsáveis por assassinatos e outros males. Isso é tudo menos amor. Ou, pelo menos, respeito. É óbvio que isso gera combustível para sentimentos além das urnas. Aliás, elas próprias são atacadas como se não fossem suficientes para resolver diferenças políticas. E nem mencionemos o debate armamentista. Os mais radicais contra Bolsonaro também não podem ser chamados de pacifistas. A tese de que o presidente é um genocida e “matou” milhares de brasileiros estimula tudo menos a paz.
Não estamos numa polarização política. Um cenário de todos armados atirando e matando quem defende o líder contrário não é disputa política acirrada. É guerra. Daquelas que os líderes, sarcasticamente, nem coragem para debates em televisão tem. Mas assistem de camarote a seus fanáticos se matarem nas ruas.